segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Ondas sonoras

O ar
e as ondas sonoras
que sua boca propaga
longe...
sem limite
sem provisionar
no que vai dar

Atestam sua inocência, ou
ignorância, diriam,
por pensar
assim,
que tudo é simples
e linear.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Ó dúvida!

Quando a lagarta vira borboleta é uma maravilha. Mas e quando a borboleta insiste em querer ser lagarta de volta? Como é que faz?

A vida à prova

Mano, esse cara sempre colava no bar que era meu quintal, sabe? Aquele que você mora também? A duas quadras de casa, menos. Ninguém, parece, sabia muito bem sobre ele. Uns falavam que ele tinha sofrido um acidente há uns anos e tinha uma chapa de metal na cabeça, que tinha se endireitado depois disso, mas que já tinha passado pela "casinha". Eu entendi a gíria quando olhei para os braços dele a primeira vez e vi aquelas tatuagens feitas com tinta de caneta Bic, toscas. Assassinato.

Tem gente que pula de paraquedas, outros brigam com o namorado, outros traem, em busca de emoção na vida. Eu vou pro bar e converso com os mais malucos que achar. Minha emoção é sair ileso da noite, o que não significa obviamente intacto. Muito pelo contrário. É provar que aquilo passa por mim, eu observo, aprendo, me sinto vivo, mas não me atinge. Como se assim pudesse ser invisível, ou super flexível, conversando com as pessoas mais diversas, sem fazer parte de nenhum grupo específico. Um exercício de ser camaleão.

Esse cara sempre vinha conversar conosco, minha namorada e eu, e parece que a gente definitivamente atraía os piores "exus" ao redor. Aquele era peixe grande, dava pra sacar, só não sabíamos bem por que. Um dia ele trocou uma ideia estranha com a gente, mas foi simpático, e pediu pra eu ensinar o filho dele a tocar violão. Ele que pagaria.

Dia seguinte chego em casa e sou apresentado ao menino, com seus 16 anos, meio tímido, mas parecia muito atento e esforçado. De fato, parecia que tinha algum talento. Melhor assim, pensei...

E assim se passaram algumas semanas de aula e afeição entre aluno e professor. Um dia chego e lá estão pai e filho, pro jantar. Um pouco de desconforto, devo admitir. Chegar tão próximo assim do perigo não me parecia a coisa mais sábia a se fazer, mas estava feito, já era. E lá estava eu ouvindo histórias de crimes, de cadeia e outras mais, depois de o filho ir embora.

O cara era tão gente fina que ia levar a gente na boca pra comprar um pó bom ali da região. E lá fomos nós pra um beco escuro, onde fomos cercados por caras armados, desconfiados, mas que sim, nos venderam um "papel do bom". E assim viramos de fato "irmãos".

Na noite seguinte estávamos nós naquele mesmo bar, na verdade uma padaria 24h numa região totalmente suspeita do centro de São Paulo. Lá fomos nós em busca de mais alguma estranhice para animar nossas noites alcoólatras? E eis que chega esse outro cara, meio que da nossa idade, mas super agitado e com um olhar de pânico. A gente tava meio que de boa nessa noite, tomando duas pra ir dormir, numa paz, observando uns bolivianos completamente bêbados do outro lado do balcão. Noite silenciosa lá fora e meio morta ali dentro também, até então.

A gente não conseguia entender se ele estava muito louco de pó, crack ou sei lá o que. Ou se ele era assim mesmo, insano. Mas ele se sentou ao nosso lado e começou a beber e falar coisas meio desconexas, sem perguntar nada, uma enxurrada de palavras, histórias da vida dele parecia, e no meio, de repente, a frase "eu acho que eu matei ele, mas nem voltei lá, não sei", "estou com medo", e mais vários goles... Os meus olhos deviam estar quase saltando da órbita e meu coração do peito. Eu olhava pra namorada sem saber o que fazer, pois vi que ela também estava com medo de ter qualquer reação indevida. Perguntei se isso tinha sido hoje? É, agora mesmo... Parece que ele tinha acabado de matar o irmão com um taco de beisebol.

Ele foi nos fazendo ir com ele até a casa dele, dizia que ali do lado, que a gente era legal e que devia conhecer alguém ou algo que estava lá dentro, que ele não queria ficar sozinho... e a gente ia andando e tentando explicar que não podíamos ir, mas a rua estava deserta e não tinha ninguém que, quem sabe, pudesse nos ajudar se ele ficasse sem controle.. É, primeiro grande erro já tinha sido sair do bar com o cara, na falta de outra reação qualquer. E na inércia fomos, até que chegamos na frente do pequeno prédio onde morava o criminoso, e de última hora demos a volta, saímos andando, falando algo que não me lembro mais, tipo que tínhamos que acordar cedo amanhã, mas valeu o convite e fique bem e tchau... e nos livramos do cara, em pânico. Sem acreditar que ele tinha ficado mesmo para trás, andamos o mais rápido que pudemos sem correr.

Ficamos em silêncio por algum tempo, mesmo depois de entrarmos em casa. Parece que finalmente entendemos em qual brincadeira estávamos constantemente nos metendo, há uns anos, naquele exato momento. Como se não bastassem todas as outras tantas situações estupidamente propícias a grandes merdas nas quais já tinham nos metido, aquela fora a gota d'água.

As aulas de violão pararam, as idas àquele bar nunca mais aconteceram e nosso amor, bem, acabou de forma dolorida, mas inevitável, após o fim das aventuras. Entregamos o apartamento, onde depois de meses morando descobri: um pai havia sido morto pelo filho há uns poucos anos. Acho que já sentia isso no ar, sabe? Bem...

Quando não é pra ser, não é. E quando é pra ser, é. Qual outra explicação haveria pra hoje eu ainda estar aqui "ileso" e feliz depois de tudo? E ainda fazendo idiotices, mesmo que menores? Aprendi um limite, voltei um pouco atrás, mas apenas o suficiente pra manter alguma emoção na vida! É o que importa, a diversão, não é verdade? "Eu bebo sim, estou vivendo..."

Segredo #3

Ela abandonou a família para viver sua grande paixão, que eles nunca aceitaram. Ela sempre sonhara em carregar as suas poucas coisas nas costas, e limpar o mundo todo. Acompanhada de quantos cachorros quisesse. Eles a amariam e entenderiam, sempre.

Segredo #2

Ela sempre olhava incomodada para a mão de sua mãe nas coxas dele, e depois de tantos outros. Seus gestos lhe eram incompreensíveis, mas ainda ainda assim ela própria os replicava.

Segredo #1

Era na lavanderia, no subsolo da enorme casa, onde ela se sentia mais imunda... e repugnava-se de ambos.

Passagem

Eterna primavera
onde os mortos dormem e as flores
exalam seu doce perfume

quarta-feira, 4 de junho de 2014

A solidão

A solidão foi minha amiga por bastante tempo.
Filha única, deslocada, desterritorializada, aérea,
sonhando com personagens, terras misteriosas, aventuras
num sentimento inominável de desejo de algo distante

Eu escutava com atenção minhas amigas e os adultos
e brincava na rua com os meninos, me divertia,
mas chorava baixinho sozinha, sentindo o mundo grande demais
difícil demais, às vezes confuso demais ou cruel

O fato de estar ali para meus queridos, de me sentir uma boa amiga
de me importar com o mundo, maravilhada pela sua riqueza,
de buscar sempre fazer o meu melhor e ser sempre melhor
me dava uma ilusão de que estava tudo bem, pois eu fazia parte

Mas um dia a solidão me assustou porque de surpresa,
aquela amiga largou da minha mão e se foi...
aquele amigo me pareceu estranho e eu me fui...
um amor acabou e me corroeu a esperança mais ingênua

Enfim realmente só, sem conseguir me abrir,
sem conseguir ler uma boa história, ou ver um bom filme
sem conseguir escutar aquela música sem doer
sem poder abraçar todos aqueles que não estão, nunca mais

A solidão foi o que me restou, vagando, buscando
quem sabe pra sempre algo intangível porque tão simples
desejando apenas o amor e a paz, os discos e os livros
os sorrisos e os silêncios confortáveis dentro do meu próprio lar.

O meu próprio lar.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Un momento d’affetto

Guardandola negli occhi con tenerezza e affetto, ha preso ognuno dei suoi fermagli, lentamente, ampiamente accarezzando ogni parte, poi libera...

Con un sorriso lui ha trovato che lei era poi nuda, la su' anima completamente esposta. I suoi sospiri appartenevano a lui e il suo terrore riposava sul suo petto, finalmente in pace.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Um dia sonhei com as nuvens

Um dia eu sonhei com as nuvens
e viajei...
experimentei...
vivi...
sorri, me confundi, me perdi...

Um dia eu percebi
que o que perdi
foram apenas ilusões
e ganhei o mundo

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Mas a imensidão é assustadora
e também indescritível

As mesmas asas que batem forte e longe
ainda buscam o ninho

O pulsar é a constante


Um momento de afeto



Olhando em seus olhos com ternura e afeto, ele tirou cada um dos grampos de seu cabelo lentamente, acariciando extensamente cada parte então liberta.
Com um sorriso constatou que então ela estava nua, sua alma completamente exposta. Seus suspiros eram dele e seu pavor descansava em seu peito, finalmente em paz.

Imagem: colagem minha de duas imagens retiradas da internet.

terça-feira, 18 de março de 2014

R.I.P.

Eu estou só vivendo a minha vida, como eles queriam. Quer dizer, não era isso que eles queriam? Que eu me virasse, que eu soubesse o que fazer e parasse de perguntar por que?

Por vezes engulo a seco meu conhaque e vou pra cama desejando não acordar nunca mais, mas ainda não aconteceu. Parece que ainda sou saudável demais pra isso.

Então de manhã eu tomo minhas vitaminas, meu café, meu banho e vou trabalhar. De novo. Eu gosto de algumas pessoas no meu trabalho, mas meu chefe é um tapado idiota que nasceu pra tornar a vida dos outros um inferno. Eu diria que ele é muito bem sucedido.

Por vezes antes de voltar pra casa no fim do dia paro num bar com karaokê, onde umas boazudas adoram cantar e dançar. Gosto de vê-las se embebedando e insinuando pra todos os ordinários clientes, como eu. Acho que eu gosto de uma delas, mas nunca nos falamos.

Eu já tive uma mulher me esperando em casa com a janta pronta, mas um dia ela não estava mais lá. Eu nunca nem quis saber pra onde tinha ido e depois de pouco tempo parei de esperar que ela voltasse. Ela engravidou uma vez, mas perdeu a criança aos dois meses. Achei melhor assim.

Quando você olha o mundo de perto, com algum cuidado, não acho possível ter nenhuma fé na humanidade. Por que eu ficaria feliz em colocar mais um infeliz no mundo? Quer dizer, se existe mesmo um Deus, com certeza ele nos abandonou, desistiu do homem, triste, descrente de nós, assim como eu. Não quero colocar filho nesse mundo sujo.

Mas uma vez na semana Maria me visita e exorciza meus demônios. Ela tem um corpo bacana, gosto dos peitos dela, tamanho perfeito. Ela faz eu me sentir homem de verdade. E então vai embora, de volta pro marido e os filhos.

Às vezes eu subo no topo do prédio, à noite, e assisto a cidade morrer aos poucos ao fim de mais um dia exaustivo. É um prédio alto, acho que eu morreria na hora se pulasse, indolor... Acredito que eu um dia, sem aviso prévio, vou voar... descansar em paz.

Enquanto isso vou vivendo, de conhaque e vitaminas. Saúde!