domingo, 20 de fevereiro de 2022

Fluxo

[reticências]

[suspiro e um gole de café]

[incertezas]

[silêncio]

[chuva mansa, pássaros, rodas de carro no asfalto molhado]

[o joelho está doendo ainda, estico a perna]

[abro uma aba e acesso o blog]

[leio meu último texto postado, penso que não sei se tenho nada a acrescentar]

[penso que tenho mil coisas a acrescentar, mas não sei se consigo expressá-las agora]

[pausa, mão na testa, outra na boca]

Ando observando minhas manias, meus padrões, mais uma vez descobrindo o que parece que deve ser óbvio para muita gente que me observa de fora... e eu sigo patinando nelas... sigo inquieta, sigo dolorida, sigo uma jornada muito difícil e chocante pelo meu autoconhecimento, pela minha auto superação...

Sabe, eu roo unha desde que eu me lembro por gente, e agora descobri que aperto os dentes desde sempre também... descobri que mastigo raiva, medo, insegurança e as palavras todas que parece que nunca posso diferir para quem eu de fato gostaria.

Me calo. Mas em minha boca e em minha garganta as palavras há tempos queimam, se entalham em meu corpo ciclicamente, para não violentar a outra pessoa, tão frágil, tão vítima... coitada, ela não consegue escutar o que fez e faz comigo, ela não tem maturidade para lidar com isso, ela não tem.. ela não pode.. ela não sabe... ela não consegue...

Mas você sim, você é isso, aquilo, e mais não sei o que... você que precisa entender, precisa superar, precisa aguentar, precisa se cuidar, precisa precisa precisa precisa.... 

E você aí? Quer escrever aqui seu julgamento? Quer escrever aqui o que mais eu tenho que ser e fazer, o que mais eu sou ou deixo de ser, o que mais você julga que é adequado ou não para mim? O que mais acha que é um absurdo eu querer ou não fazer?

E você, quer proferir mais algum julgamento que te deixe plen@ e feliz e te ajude a não olhar para sua própria vida? Fique à vontade... Estou aqui pra isso mesmo, minha existência é fazer o que você acha certo pra mim... Vá em frente! Como é que eu vou viver sem saber o que você acha da minha vida, não é mesmo?

Ah, fui grosseira agora? Pode dizer!... Eu estou POUCO ME FUDENDO! Passar bem!

[será que era isso mesmo que eu queria escrever?]

[é isso, eu sempre tenho vontade de agredir as pessoas, porque estou sempre raivosa, sempre queimando por dentro]

[meu desafio é saber como cuidar desse fogo, sem que isso signifique fingir que perdoei, fingir que sou grata por caralho de bosta nenhuma que tenha me acontecido...oponopono meu cú]

[e ainda me mandam para de xingar! si foder!]

sábado, 19 de junho de 2021

Sonhar

 Tenho sonhado muito

com o que fui, que achei que era, que sou

com pessoas e lugares misturados

com conexões inusitadas

com dores, anseios e conflitos


Não tenho sonhos mágicos

divertidos, animados, fascinantes

não sonho com o dia claro, com música feliz

com bolo, carinho, afago


Sonho com a ausência, com a tristeza

com o descaso, o abandono, a perda

Sonho com o ninho sombrio, confuso,

com o chão, a aresta, o susurro


Sonho com o choro, com o tombo, com a dúvida

com a fuga, a adrenalina, o medo 

Sonho com o resíduo, o resto, o excremento

a voz sedimentada, reservada para os sonhos.


Mas sonho em delirar como os pássaros,

em sorrir, saltar, em cantar, em partir

Devaneio com a euforia e a glória

Fantasio e alucino com a vida dos sonhos.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Raízes e asas, ou seria o inverso?

 Não sei o que veio primeiro, as raízes ou as asas?

Não sei em que ordem elas cresceram em mim...

Será que cresceram? Será que na mesma medida?

Não... não são do mesmo tamanho...

As asas sempre foram maiores ou mais fortes que as raízes.


Os pássaros fazem ninhos, temporários

Os elefantes têm/são casas, itinerantes

E eu, por que não poderia ser "errante"?

E articular os meus caminhos, retificando a rota

De tempos em tempos, de sonho em sonho?


Será que as estrofes de cinco versos me contam algum padrão meu?

Seria de cinco dias, cinco meses, cinco anos,

A duração dos meus ciclos de transmutação?

De passarinho a elefante, de gato preto a carcará

De pedra a fogo, vento e barco a navegar?


Meu território se espalha, expande os horizontes

Minhas formas ganham cores e funções inovadoras

Por vezes assustadoras, outras, acolhedoras 

Articulam tempo e espaço do avesso e remam, voam

Enterram cada versão em chão fértil e se vão

sábado, 16 de fevereiro de 2019

Abacateiro

Abacateiro, de Helton Souto
(o poema foi escrito para dialogar com essa ilustração)



O amarelo grita alto,
enquanto minhas asas
curvas te envolvem
e subimos juntos...

o abraço afaga e alimenta
uma viagem por todo o universo;
as raízes se expandem
horizontais, e florescem

em preto, branco
e vermelho
sangram amor,
e renascem

em livres sons
que aprofundam histórias
e preenchem de silêncios
a paisagem resignada

Bailamos juntos
indeterminadamente
e de longe reconhecemos
os nosso traços recorrentes

O tempo que penetra as células
aguarda ao infinito
a hora certa para desaguar
por completo, e se eternizar...


Sei que seu tato não mais sente
os sabores das minhas palavras
agora mudas, inanimadas,
no pano de fundo, apenas na sua mente

mas seus ouvidos sabem
o alento que traz o sopro
que toca esses galhos e folhas
e eu te inundo, mesmo estando apenas de passagem

De repente, você compreende
o sentido exato que sua voz busca
insistentemente.
Está estampado bem na sua frente

- essa robusta árvore, meu filho,
certamente, também vai se acabar,
como você, como seu fruto,
que alimentará outros sonhos, enquanto morre. 

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Desorientação

Hoje acordei, estou viva,
porém
atônita

muda de espanto
com a surrealidade
densa do momento

Hoje acordei comigo mesma
que posso estar paralisada
e desmoronar

que posso estar desnorteada
e chorar

que posso estar chocada
e desanimar

Hoje acordei catatônica,
buscando por uma mão
por um afago

precisando de chão
pra me nutrir

de nuvens pra sonhar
de café pra acordar

de amor,
muito amor,
pra conseguir continuar

Hoje acordei querendo gritar
querendo xingar
querendo implorar
pela minha vida!

Hoje acordei tentando acreditar
que todos vão acordar
e ainda poder viver.


terça-feira, 30 de outubro de 2018

Gravidade

a Gravidade anda intensa
e vem dificultando o caminhar
Ela vem forçando a barra
e pesando demais em nossos ombros

a Gravidade não é mais
inversamente proporcional a
nenhuma outra força
Ela só se impõe e quer nossa inércia

a Gravidade é tamanha que gerou
um lapso grave de espaço-tempo
e o novo é apenas a repetição
de atos do nosso pior passado

só que a Gravidade
não mais consegue (sic) conseguirá
manter aquelas mesmas órbitas
tudo entrou em choque e

os pesos ficaram desproporcionais e
a força da atração mútua
está nos fazendo cair
juntos, numa mesma direção

em aceleração contínua, constante
formando como que uma massa que...
para de cair, passa a
crescer gigante, até a Lua

mantendo os pés aterrados
na real gravidade da Terra
que nos lembra, sim, do nosso peso
mas nunca nos impediu de sonhar!








quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Árvore

Rasgou a veia e
Retalhos de retratos
Resistentes ao tempo
Romperam o silêncio

Resilientes, ainda
Rogando por reconhecimento
De sua rara imensidão
Enraizada

Improviso

Sairam da trincheira
Sem nem olhar para os lados
Convictos de que eram invisíveis
Seguros de que havia apenas os dois

Pra sempre naquele universo fabuloso
De discursos e imagens maravilhosas
Parte de uma narrativa bonita
Que ninguém nunca escutou

domingo, 30 de setembro de 2018

Só nego

Nego porque me faz sorrir
Nego porque me dói
Nego porque me complementa
na mesma medida em que me divide

Nego porque quero
Nego porque não vejo
Nego qualquer desejo
porque julgo ser um exagero

Nego porque me devora
Nego porque me apavora
Nego porque me encanta
Nego porque me inflama

Nego porque me encoraja
Nego porque me excita
Nego porque me incita
a ações há tanto contidas

Nego porque quero mais
Nego pra me conter
Nego porque quero revelar
Nego pra me esconder

Nego para tentar vencer
essa maldita luta interna
Nego pra buscar abreviar
o fim do que é eterno

Nego, mesmo sabendo
que não sou mais capaz
Mas pra provar que posso
nego uma vez mais

e finalmente desisto.

Então, exausta, escrevo esses versos toscos
pra dizer que te amo.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Dialética aristotélica do uso

O uso desgasta
as pessoas, principalmente,
mas as coisas também.

O uso machuca e
faz buracos, rasga,
desbota, destroça.

O uso cansa e, às vezes,
desanima, ou seja,
cansa a alma.

Mas o uso ensina,
fortalece e reforça
o poder de cada um.

E o uso precisa
ser ressignificado
de tempos em tempos

Porque o mesmo uso
das mesmas coisas
deixa a gente, a vida chata

Mas se, de repente,
o uso muda, se transforma,
ele encanta novamente

E florece, e expande
e ousa ser diferente
ser pungente e crescente
indefinidamente

Ping.. Pong...

Ping... Pong...

....... Ping ....... Pong.....

Vem um sentimento
Surge uma ideia
e vai... ping... pong...

Rebate... e volta...
Ecoa e voa
Ecoa e aterra
Ecoa... e... ping... ping...

Volta e... volta
mas muda, transforma
e volta....
e vai e volta... ping e pong.

Até que vira letra
rabisco
movimento e
vai e volta e...
ping.. pong...

ping.. pong...

A pedra

Um objeto cinza circular (não redondo, e sim parecido com um meteoro) está vindo em direção ao meu rosto... e eu não quero desviar. Eu devo, eu sei, mas não quero!

Aquele momento que passa devagar, em câmera lenta... e você até tem a chance de reagir, se quisesse.. mas não quer.

Penso que levar uma pedrada bem no meio da cara vai me ajudar a melhorar. Vai me levar pro hospital, vai derramar sangue, vai... me dar uma desculpa para me sentir de fato inválida e inútil.
Agora!

Ai, caralho! É de papel essa merda!? É cênica essa maldita pedra?

---

Eu gosto das pedras que têm a superfície lisa e achatada, porque elas podem ser arremessadas na água para flutuar, quicando várias vezes, se você for bom arremessador. Essa é a maior utilidade delas, me fazer feliz enquanto as jogos e as vejo quicar antes de afundarem e nunca mais serem vistas por nós.

Quando as vejo quicar me sinto como Jesus, andando sobre as águas... me sito poderoso. Quando elas chegam ao outro lado, à outra margem, me dão a certeza de que eu sou capaz, eu venci o desafio, eu fiz a mágica! Eu sou um moleque poderoso e empoderado nesse momento... e consigo esquecer que, na realidade, eu sou uma menina que deve se comportar, fechar as pernas, usar rosa, laços e ser gentil.

Vão todos se fuder! Eu posso atravessar até a outra margem do rio!

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Eu gosto daquelas pedras grandes que ficam no fundo do poço. Aquelas que quando você vê de cima, através da água límpida, você sabe que ali não pode pular, caso não queira se machucar, ou morrer... Caso queira, já sabe, pula ali! De cabeça!

Eu descobri que tinha vertigem ao nadar no poço fundo de uma cachoeira, com águas límpidas e pedras grandes ao fundo. É uma fenda da serra, de onde cai a água translúcida e preenche o caminho por entre e sobre as pedras, um cenário lindíssimo! E lá estava eu nadando, olhando para baixo admirando, percebendo o quão límpida estava a água e como o sol podia chegar até lá no fundo, iluminando aquela pedra gigantesca bem lá embaixo... que lindo!... E que tontura, que sensação estranha, ruim... O que está acontecendo comigo?

Será que existe um monstro do lago que vai me puxar lá para baixo, como nos desenhos que eu assistia quando criança??? Sempre tive medo dele, caralho! Preciso sair daqui! Alguém me socorre.. Puta merda, tô sozinha aqui... Preciso nadar, rápido, rápido! rápido!

Ufa! Cheguei à margem, estou a salvo!


domingo, 2 de setembro de 2018

A ira que vive em mim

Tenho raiva de quem é segura e gosta de fazer aniversário. Não é mesmo odioso alguém seguro de si, que ama a própria vida? Parece alguém sem medo, aflições, frustrações. Parece ser alguém que nem caga, ou se caga, caga cheiroso! Que raiva!

Eu tenho raiva também de pessoas inseguras, como eu ou mais. Elas parecem que nunca fizeram nada de bom, nada de útil, que são eternas vítimas e devem ser acolhidas em sua mediocridade. Odeio gente medíocre!

Também odeio os homens, todos eles, em medidas diferentes cada um. Odeio a liberdade que eles têm e me foi negada porque eu não tenho um caralho pra botar na mesa e competir qual o maior e mais grosso. Tenho raiva de como o direito deles de ir e vir e de trepar o quanto têm vontade é infinitamente maior que o meu. Odeio os homens! Odeio!

E odeio as mulheres que ficam tretando infinitamente para provar quem fica melhor na roupa da moda. Tenho raiva da competição que me é imposta e que eu muitas vezes reproduzo, mesmo sem perceber, e violento uma amiga ou uma desconhecida. Odeio fazer isso.

Odeio não conseguir gritar que vocês são ridículos... e que eu também sou. Odeio ser calada, odeio ser castrada, odeio ser punida, odeio ser elogiada, odeio ser assim e odeio não conseguir ser quem eu sou de verdade. Odeio minha raiva, odeio minha prisão, odeio minha mente, e odeio o fato de olhar para a liberdade e não poder alcançá-la.

Não se exponha!

Os livros estavam sempre dispostos lá nos fundos, no quartinho abafado, mofando... o autógrafo de Guimarães Rosa embolorando, escondido... um segredo que não deveria ser exposto às visitas. Melhor expor vasos, ou quadros feios que o tio pintou, mas ninguém tem coragem de dizer pra ele. Não, não exponha nosso pontos fracos! Não se exponha! Feche as pernas, pinte a cara, sorria... e não exponha seus livros, nunca! Sua inteligência, nunca! Pode assustar pretendentes... eles não gostam de meninas teimosas que têm opinião.