De
repente, no momento em que se perde o medo é que tudo parece claro apesar de
caótico, bem lá no fundo da sua mente e suas sensações. É quando você se sente
completa, corpo e mente, sem poder entender só com um ou outro separadamente, e
sem conseguir explicar com palavras.
Nesse momento você se cala, chora e deixa a transformação acontecer dentro de
você... E então volta pra vida, de verdade, um pedaço mais completa.
Tive
medo da morte desde quando me deparei com ela a primeira vez, aos 8 anos, e
ainda a temo. Temo perder as pessoas que amo e temo perder a minha própria
vida, pois sou jovem e tenho muito a realizar ainda. E acho que sempre terei
esse medo em mim, como não?
Uma
vez li sobre como nossos medos nos moldam e concordo com isso. Eu sempre tive
muitos medos e acho que o que me fez diferente de tantas pessoas que me rodearam
é que eu sempre tive gosto por desafiá-los, por desafiar a mim mesma a
superá-los. Gosto de desafios, preciso deles pra me sentir viva, por isso os
busco, busco caminhos novos, busco o que não entendo, o que me escapa... Isso
me move, a curiosidade o querer entender, o querer viver. Por isso acho que
nunca superarei o medo da morte.
Mas alguns outros já superei, como meu medo de
baratas. A maior prova disso não é só que eu consegui matar algumas baratas já,
mas também porque eu consegui ler Paixão Segundo G.H., da minha amada Clarice Lispector, até
o fim. Que conquista valiosa.
O
que isso significa? Que eu perdi o medo de algo que eu nem sei bem o que é, mas
que me assombrava e me fazia chorar só de ver uma barata, a “personificação” de
um pavor sei lá do que ou por que. Talvez um acúmulo de medos.
Será?..
É muito estranho como cada pessoa escolhe inconscientemente alguma coisa
onde colocar todos os seus medos e criar o pânico de algo sem sentido
ou explicação, tipo borboletas, ou gatos, ou nuvens, ou baratas. O ser humano é
bizarro, ou diria que é muito interessante exatamente por isso.
Eu
tenho em minha história dois episódios muito traumáticos pra explicar meu pavor
de barata, mas nenhum pra explicar realmente o pânico. Mas acho que a
libertação dele foi bastante simbólica, abriu um novo momento meu, de mais
coragem e confiança em mim mesma. Como eu acabei com esse pânico? Bom, um dia
eu percebi o quão sem sentido era e me lembrei de alguns métodos que tinha
ouvido falar, sobre como parar de ter medo de algo. O que chamou minha atenção
era um que você devia olhar fotos da coisa temida e uma hora ia passar... achei
muito estranho e agressivo, mas escolhi esse método para tentar.
Abri
o google e teclei barata, aí li umas coisas evitando focar nas imagens e
percebendo algumas coisas que faziam eu ter tanta raiva delas, é raiva. Uma
conclusão que cheguei aos poucos foi que elas sempre apareciam para me
assombrar à noite, a única hora em que eu estava sozinha, em um momento
precisoso só meu (a única “zumbi” da casa, como dizia a minha mãe). Eu sempre
dividi quarto com minha mãe, então não tinha aquele privilégio que outras
pessoas tiveram de estar só no meu quarto, de fechar a porta e ter o meu
mundo... a sala de TV de madrugada era o meu mundo, o meu momento.
E então de
repente aquele ser maldito nojento surgia e atrapalhava tudo! Se era voadora
então, aí não tinha como nem tentar fingir que eu não estava com medo, tinha
que pedir ajuda de alguém, tinha que me entregar, que escutar bronca, enfim,
acabava tudo.
Animais
de hábito noturno, ok, eu também. Solitários, ok, eu também. Grupo cosmopolita,
nossa, sonhava com grandes cidades. São onivoras, eu também. São animais como
tantos e tantos existentes, mas qual o sentido da existência desses seres
horríveis? Bem, e qual o sentido da vida de qualquer outro, tipo o ser humano?
OK, vou focar em olhar as fotos... Nossa, são várias formas e até cores, nossa, que
interessante, apesar de nojento... Alguns minutos olhando e lendo tudo aquilo e
de repente entendi que aquilo era apenas mais um ser vivo e que fazia sentido
eu ter nojo, ok, mas não havia razão alguma para o pânico, então em vez de
surtar com as baratas, achei mais inteligente começar a buscar em mim quais
eram meus reais medos e encará-los de frente, como as fotos das baratas.
Apesar
de saber o tamanho do problema que estava comprando, me senti bastante aliviada
e dona de mim com isso. E quando matei uma barata com toda raiva por ela estar
interrompendo meu momento de solidão e criação, me senti uma verdadeira vencedora.
Venci a batalha pela primeira vez! Que orgulho!
Mas não foi a
primeira batalha que venci, ainda bem, pois nesse momento já tinha 28 anos. Mas foi uma batalha tão marcante que gerou todo um processo interno de mudanças. A partir desta "chavinha girada" e eu sigo olhando nos olhos de cada medo e chamando ele pro ringue!
E eu dedico essa coragem ao meu avô, que me ensinou desde cedo que na vida é preciso força e coragem! Acho que está orgulhoso de mim! <3 span="">3>